quarta-feira, 15 de junho de 2011

Boneca de trapo



Rasga-me à roupa, pois me deixastes aos trapos. Eu que um dia fui boneca fina, virei fantoche e, hoje sou remendada como a Emília. Cada recorte, cada retalho, representa a soma dos pedaços deixados pela destruição de suas mãos. Perdi alguns pedaços de mim, hoje não tenho coração. Para que fosse possível a reconstituição, pedaços foram costurados em pontos errados, sinto-me um Franksten. Meu pulmão está nos rins, hoje não sinto seu perfume, ele é filtrado e excretado. Meu estômago hoje é fígado, tudo que alimentei de você, deu-me de herança uma cirrose hepática.  Minha mente está no intestino delgado, você é tudo que lembro e você está na merda. Minhas mãos são pés, chuto-te num abraço. Um trapo, feito de restos, de farrapos. Agora, largada aqui nesta loja de brinquedos velhos, vejo a vida passar. Todos os dias são lançadas milhares de bonecas. Quem se lembrará de uma boneca de pano? Certo domingo passou na loja uma moça. Não era bonita. Entrou na loja chorando, prestes a se tornar uma boneca de trapo. Ela pegou-me e disse:
- Nossa, como você é feia!
Uma lágrima caiu dos seus olhos vermelhos e completou.
- Mas, você é diferente. Gostei de você.
Ela comprou-me com poucas moedas. Colocou-me nome, a saber, Amor. Deu-me banho, sequei por horas no varal pendurada pelos cabelos. Colocou-me num vestido rosa lindo, igual aos das princesas. Ela dorme comigo todos os dias, bem agarradinha. Sempre me dá um beijo de boa noite...

Ter o amor por perto é uma questão de escolha. Algumas pessoas optam por maltratá-lo e deixá-lo num canto pegando mofo.  Outras pessoas, aquelas que não se importam com as aparências, e que sabem o sentido de amar, zelam, cuidam e tornam o amor o centro das atenções.
Quantas bonecas de retalho tu já produzistes? E quantas bonecas de pano tu já recuperastes?
Hoje sou casada com ela. E, eu “Amor” e ela “Dedicação” andamos sempre juntas.


Jacques Manz

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